2005-01-31

"Queda"

Queda livre num dia de chuva. Só quero essa bênção e nenhuma outra.
Que chova!
Que me molhe os ossos cansados e me lave a alma impura.
Queda livre, charco acastanhado e um bafo morno no corpo quebrado.

2005-01-30

"Sol"

O brilho intenso do Sol diz-me ser já dia.
Mas não quero!
Não quero já este dia.

Futilidade da velocidade da vida.
O que foi já não é.
Renascimentos demasiado rápidos.

E nós?
Eu e tu onde estamos?
Onde nos perdemos?

O brilho intenso deste dia cega-me.
Queima-me a pele e a íris.
Ontem já não é.

Temos de abraçar outro destino, outra vida, este dia novo.
Ou então…
Morrer nessa tentativa.

Porque é tão fútil a noite de nossos contentamentos?
Ar quente impregnado de fragrâncias, incensos, sal, suor…

Dia!
Não o quero já.
Não me ouve a vida.

Não a quero já.
Dia!

Morte ao Sol.
Morte debaixo deste Sol.

2005-01-28

"Recado"

Um recado apenas.
Um recado em folha branca.
Um recado.
Palavras?!?
Não um recado em folha branca sem mácula.
Um recado apenas.
Um recado de folha branca.
Pomba?
Não apenas papel.
Um recado apenas.
Este recado já vai longe.
Sem sentido.
Afinal o meu recado era um caderno de folhas brancas.
Destino sem fim.
Casa sem tecto.
Corpo desnudo.
Uma criança que vai nascer um destes dias.
Um corpo frágil.
Um corpo frágil de destino insondável, eterno e infinito.
Uma promessa?
Uma verdade, folha branca.
Um recado apenas.
A promessa da palavra.
A promessa do beijo da Vida.



2005-01-23

"Loucura"

Da loucura não dependo eu, nem depende a minha condição.
Na loucura não se faz luz, nem tão pouco solidão.
Da loucura bebo palavras gentis e insultos por igual.
Injurias e rasgões na alma, tantos como na carne viva.
Da loucura não depende nenhuma condição, ignomínia com tanto de frustração como de insulto capital.
Na loucura nem esta luz me ilumina. Lua calada e já não cheia.
Na loucura tudo decai. Nem a Lua vira Nova.
Da loucura não quero condições.
Na loucura senhoras rendições.

Batalhas, batalhas.
Passam os tempos.
Batalhas, batalhas.
Mudam os tempos.
Batalhas, batalhas.

Esqueci o nome da guerra.

Ah! Sim!
Loucura, loucura.
Batalha.
Batalha.

Faz tanto tempo desde a última batalha.

Rendição.
Sem honra ou outra condição.

2005-01-22

"Tirania"

Mas afinal que tirania é essa?

Dias correm, dias passam.
Fogem dúvidas e também questões.
Sem nem ao menos se formarem respostas.

Mas afinal que tirania é essa?

Só a inconstância constante, só a mudança presente.

Mas afinal que tirania é essa?

Nem nas palavras liberdade. Construção de aeious, em camisas de força alvas como os meus sonhos mais loucos. Rabiscos geográficos e negros.

Mas afinal que tirania é essa?

Não lhe podem chamar Liberdade, não lhe podem chamar inocência, não lhe podem chamar nomes feios, nem usar sujos palavrões.

Mas é uma tirania, prostituta e prostituída.
Ora uma ora outra.
A tirania de nada mudar, nem tão pouco permanecer constante.
A tirania de não ser coerente.

Sapiente Universo de enigmas dementes, longos demais para um verso.



2005-01-13

"Paixão"

Impossível viver com ou sem ela.

Impossível abraça-la ou sussurrar-lhe palavras doces.

Impossível não ser engolido nesse odor vertiginoso.

Paixão desprendida em mil toques de Amor

Sufocada e engasgada em mil suspiros, sussurrados pela madrugada fora.

Paixão, até a de um dia ter prometido voltar.

2005-01-09

"Malícia"

Malícia escondida na revelação de duas palavras imperfeitas.
Ignomínia de olhares trocados nesse canto junto à parede.
Fica a noite petrificada pela música parva perdida num altar de analfabetos.
Malícia na imperfeição dessa alma pecadora, surda-muda.
Ignomínia de país afundado na ilharga da Europa, névoa bizarra, entardecer.
Fica para a noite o resto das gentes, povo sem alicerces nem governo.

2005-01-04

"Saudade"

Triste Amália de Lisboa e da Mouraria canta tristezas e desvarios.
Uma promessa de beijos… Dois braços à minha espera…

Ai! Portugueses se aprendemos a ser saudosos
ou se somos só saudade, quem o sabe?
Nem Amália, nem Pessoa, nem Camões perdido na Índia.

Com que voz se canta hoje nosso futuro?
Com que voz choraremos hoje?
O tempo passa,
sempre passou,
passou o Brasil
passou a África,
passaram até as Índias…

Só na voz nossas aventuras, nossas riquezas,
nossos raios de lume louco.

Fúria cada dia mais branda.

Só na voz amiga de Amália um dia virá à rua o arco-íris.
Até lá apenas o fado, em tom magoado de triste pranto.

Só Amália.
Sua voz, redentora, um dia virá à rua,
Um dia será outra vez Primavera,
Um dia as andorinhas deixarão o luto,
Um dia a mouraria entenderá os braços até ao Tejo.
Um dia voltarão as flores.

Um dia será de novo Amor.
Até lá o luto.
O negro luto da morte e da saudade.

2005-01-01

"Acabar"

Não acabes!
Não acabes aqui!
Sê eterna!
Noite!
Bebedeira!
Mira a luz do Sol e chama-lhe Lua.
Não acabes sê eterna!
Luxúria na sagrada carne.
Não acabes!

"É Cal"

É Cal, branco diluído em água do Douro.
É Cal, alvo diluído no sal do Atlântico.
É Cal, misturado no barro, como carne do corpo.
É Cal, como leite de tetas quentes.
É Cal, puro a caminho de putrefacto.
É Cal, hóstia sagrada revelação encerrada.
É Cal, lágrima suja, diluída na Foz do Douro.

"Duas gotas roxas"

Saudade duas gotas.
Duas gotas Roxas.
Roxas flores e colinas
Colinas verdes mas mortas.
Mortas mãos frias.
Frias madrugadas outros dias.
Dias encorpados como vinho.
Vinho quente e rubro.
Rubro calor de teu colo.
Colo fértil e alvo.
Alvo de saudades rasgadas
Rasgadas e tomadas nos lábios.
Lábios duros e roxos.
Roxos como mortos.
Mortos como vivos.
Vivos corpos.
Corpos agora ausentes.
Ausentes madrugadas.
Madrugadas verdes e negras
Negra criatura de ébano
Ébano abandonado.
Abandonado em nada.
Nada e saudades.
Saudades em gotas.

Duas gotas roxas.

"Músicas de ínicio de ano"

Inicio de 2005.

Músicas para ouvir até à exaustão:

Carta; Fogo e Noite; Cenário; Já te perdias; Cada Vez mais aqui; Casca; Nada; Adormecido; Dá-me ar; Fim; Por detrás do fim; Lados Errados

Toranja para rir e chorar em português.

Toranja no calor do Verão de 2004.

Um Verão memorável, apesar do Inverno.

2004…

Afinal o que é o tempo?
Se me doem os ossos, sinto o tempo passar por mim.
Ou talvez seja apenas agrura do tempo.

Inicio de 2005, o tempo passa, os sorrisos são felizes embora vazios.
Quatro letras apenas.
Quatro letras.

Ou três letras.
Ou duas.

Ui.
Ai.

Mãe Terra.

Uf!