2004-09-30

"Agora"

Agora não me deitava.
Agora não dormia.
Agora não me limitava ao som do Mar.

Agora, não lia, não escrevia, não me diluía em suor.

Agora…

Era doce, melado sabor em tua boca de anjo papudo.
Era delicada asa dourada, azul, rosada, pena, tua nádega esquerda.
Era gentil e firme, auréola, luz, branca, inocente, tua nádega direita.
Era amado.

Colo alvo nessa brancura de neve, chama desperta em mágica sem igual, reflexo, curva, umbigo e púbis. Nascimento e ressurreição, meu sexo em ti neste momento.


"Estrelas"

És fragrância de mil cores.
Arrepio de pele suave, quase inocente.
Mármore puro, ardendo nos tons de mil estrelas.
Toco-te para que nos queimemos no mesmo som.
Palavras proferidas em murmúrio, línguas húmidas sussurrando baixinho nos ouvidos: “Quero-te!”

Afago esses cabelos rebeldes e delicados, senhores de histórias e canções ainda não ouvidas neste quarto de hotel.

Mãos que te seguram na cinta e te elevam até tocares ao de leve o céu, trajado de veludo quente e negro, mas desnudo como tu.

Senhoras são essas mãos que te possuem, em carícias fortes e carinhosas.
Massagem pelas tuas curvas mais delicadas. Em ébrio êxtase antes e depois do prazer.

És fragrância, possuis todos os meus poros, suor travestido num mel doce e delgado.
És meu vício.

Não se faz dia nem acaba a noite.

Senhores são teus perfeitos seios nus, cerejas duras, que ao de leve me dás a provar. Que vêem e que fogem.

São noites nuas, constelações de pecados ainda por revelar.

"Sótão"

Só no calor do aconchego desse lar me encontrei.
Chamaram-lhe pequeno e banal, como insulto fútil e inútil.
Só nesse calor fui rei, fui senhor.

Chamaram-lhe encruzilhada.
Disso não me importei e assentei arraiais.
Acendi fogueiras que me alumiaram os dias ladrões e escorregadios.

Nesse desterro fui feliz.
Chamei-lhe topo do mundo.
Sótão de sorrisos e vendavais.
Nas noites calmas viam-se estrelas.
E eram apenas detalhes de sorrisos maiores.

Queimei incenso e sonhei ser monge, mas herege como sou, no som dos sinos fiz amor sem cessar com mulheres belíssimas que me vinham visitar, como se fossem sereias perdias num qualquer Oceano rebelde e revolto.
Caracóis, cabelos, coxas.
Amém.

Chamusquei os dedos e também a alma. Falei em Amor, quando era apenas desejo. Mas tudo era bom e certo, afinal nesse sótão eu era rei e senhor.

Ah!
As saudades que eu tenho de ver as estrelas…

2004-09-28

"Equador"

De algum modo ou forma estou contido.
Aprisionado ou agrilhoado de forma sem substância só com sentido.
Tolhido.
Contido em gestos, vontades, palavras.
Se não houvesse distância haveria abraço.
Se não houvesse mudez haveria carícia.

Certezas das incertezas?
Sim e não.

Só no calor entre tuas coxas e colhendo teus peitos seria eu. Só aí seríamos nós.

Certeza!

Sorriso gentil, em olhar hipnótico. Um recado desse umbigo perfumado e rosado.

Incerto?

O fim do dia. Só o fim do dia é incerto. Volátil. Rosa. Laranja. Vermelho. Roxo. Tantos tons.
Humidade da pele de teus lábios. Ardendo. Por dentro, por fora, não mais contendo.

Não estivesse eu agrilhoado a outro tempo e distância e apenas pensaria no que trazes vestido.
Não fosse este o triste estado das coisas e apenas sonharia em despir-te essas calcinhas rosadas e não mais ser noite, apenas ser madrugada. Húmida e quente. E não mais ser Península Ibérica mas ser sim Equador.

Sol de meu contentamento, teu corpo de rosto gentil e rosado.

"Fome"

Apetite voraz, não sei, nem o sabes saciar.
Maldito apetite, furacão de fome, esburaca-me como trapo velho.
Apetite.
Sede.
Cegueira destes sentidos.

Trôpego, preferia alcoolizado, talvez charrado.
Mas não.
Rei este apetite de ácido destruidor.

Tudo o que me atiram aos pés é sempre pouco ou pequeno.
Tudo o que ganho a pulso é efémero.

Apetite.
Um dia seduziu este apetite, outro de mim.
Outro sangue outra luz no olhar.

Desencontrada e desarranjada fome.
Mas também ela tem um nome.

Tu.

2004-09-18

Futilidade

Não é amor. Talvez seja apenas a tua demência. Ou um reflexo do que um dia desejamos que fosse.

Na luz negra e fria de uma garrafa vazia, mais dois copos ímpios sobre o divã.
Gotejam de teus lábios palavras doces…
É apenas licor.
Talvez licor beirão ou licor de scotch.
Com mil raios cala-te!

Não profanes esse verbo.
Não profanes mais esse verbo.

Trajou-se de futilidade o verbo amar quando o lançaste desses lábios, cor de cereja, como uma ofensa mortal contra mim.

Não profanes ainda mais esse verbo.

2004-09-13

Antigo Amor

Um antigo amor nunca parte, não quando o chamamos assim, com um misto de carinho e abandono poeirento.

Um antigo amor não envelhece, não se corrompe…
Mas também não se vive mais.

Um antigo amor ao virar da esquina, ou numa outra surpresa repentina, um antigo amor, deixa-nos sempre pasmados.

Molhes de recordações do orvalho em ébrias madrugadas, são agora naufrágios.

E…

Rasga-se a alma em mil defeitos e outras tantas memórias reencontradas.

Amor antigo? Porque te chamo assim?

Podem passar os anos, vir as rugas, rodeares-te de filhos desse outro que não eu.

Não importa.

O mundo é pequeno e escasso em ar quando te encontro casualmente na escadaria cinzenta do shoping, ou num balcão de madeira sobre o mar em fúria num entardecer em chamas.

Não importa.

Se viva se morra, não importa, serás sempre um amor inacabado.
Um dia, um dia quem sabe.

Nesses dias do futuro que sempre tentamos tiranizar, num desses dias talvez um reencontro, talvez mais dois tiros no coração.
Dois beijos arremessados contra o céu toldado de escuridão.

Não sei.
Não importa.

Morreram as estrelas e morri eu.

Sobram recordações desse destroço que fomos um dia.

Não sei.
Não importa.

Só se morre uma vez.

Podes arremessar-me tantos mais tiros nesses lábios de canhão como um dia houve estrelas no céu que não me matas outra vez.

Não importa.
Até um dia.

2004-09-03

Explica!

Explica-me esta obsessão!
Exijo-o de ti!
Arrancarei de mim essa explicação.
Desculpa de ti.
Essa explicação.
Arrancarei de mim esta obsessão.

Explica-me!
Explica-me já!

Explica...
Explica por favor…

Estou desarmado, de novo estou desarmado.
É tão fácil desarmar-me…
Como detesto por vezes ser eu.
Como detesto por vezes só saber olhar-te, só saber querer-te..
Só querer amar-te.

Explica…

Querida, porquê este desejo que me arde em todos os poros?

Porquê este contentamento descontente?

Porquê este copo tão meio cheio?

Este quarto tão repleto de sombras agora que já não estás?...

É tão fácil amar-te…
Desejar-te.
Idolatrar-te.

Todos o fazemos.
Todos, os mortais, o fazemos.

Teu nome de verdade é Diana, a caçadora, a senhora.

Não sei que faça a tuas fotos, a tuas prendas…
Não sei se as guarde junto da caixa da última garrafa de whisky que bebemos juntos

Não sei.
Não sei.
Nada sei.

Explica-me por favor.

Explica-me! Deixa que sinta tua pele contra a minha, teus lábios contra os meus, tuas mãos sufocando no calor das minhas.
Explica-me assim… Ou de modo diverso, mas não partas, não tornes a partir.