2005-08-29

"Carlos"

Depenicava notas como louvores, como amores.
Depenicava notas, que me transcendiam, como da primeira vez que amei.
Depenicava notas, como os beijos quentes que roubei à porta de tua casa.
Depenicava notas.
Ouço-o hoje.
Poesia, poesia.

"Pétalas"

Poesia sem pétalas, não há, não pratico; Poesia sem fragrância doce em madrugada plena de desejos não há, não pratico. Poesia sem suspiros sedosos e finais, entregas e juras, não há, não pratico. Poesia sem o ar a arder até ao horizonte em mil milhões de tons ocre, não há, não pratico.

Rasgos Rosa. Rasgos vivos. Milhões de rasgos, céu negro bordado nessa cor.

"Magia"

Pedras rugosas, decepadas em formas rectilíneas.
Recanto na serra. Ruas estreitas e antigas, contam histórias ancestrais nas casas que as ladeiam. Magia.
Sobe encosta, desce encosta, passam anos, permanece a virtude inócua à decadência dos tempos. Chamam-lhe isolamento, chama-lhe inocência. Chamo-lhe perfeição.
A sua serra.

Nevoeiros densos e mil telhados tijolo. Anarquia de histórias e pregões perdidos no tempo, mas sempre sussurrados na neblina. Terra de mercadores e novos ricos. Quente vinho rubi, meu elixir. Um rio cheio desabafando no Oceano. Mil vozes, mil línguas, mil palavras, um sentimento não conforme, uma pronúncia peculiar. Cores rasgadas no coração. Magia.
A minha terra.

2005-08-26

"Nada"

Não resisto, mas nem sequer tento.

Pequenos truques, não me aplico.

Não ver, não respirar, não sentir.

Terra-pó-e-nada.

Disse-mo tantas vezes, antes de partir o meu avô.

Terra-pó-e-nada.

Não corro nem desisto.

Abraço o fim do dia.

O céu caindo em fogo, a terra seca e árida.
Barro, mãos, corpos inertes no caminho.
Ninguém resiste.

“Nadie le puede resistir”

Brechas nesse chão que foge adentro do veludo negro.
Céu não estrelado. Imenso mar plúmbeo.

Ao redor…
Cabanas, tectos, redomas pueris.

Nada lhe pode resistir.

Cerram os olhos, voltam as faces.
Param de respirar, um instante um minuto.
Ignoram a dor e a alegria.

Tudo falha tudo é fútil e frágil.

O mundo acaba.

Terra-pó-e-nada.

Barro na beira do caminho.

Tento parar o tempo.
Apenas tenho sucesso em parar o meu próprio relógio.

Terra-pó-e-nada.

“Truque”

Suster a respiração esse é o truque.

Suster a respiração e esperar que o fumo passe.

E fechar os olhos.

Sim fechar os olhos, para que não ardam, para que não queimem.

Passará assim ao lado o fim dos tempos.

2005-08-25

"Tempo"

Tudo arde. Até eu queimo os dedos nas palavras e nas fotos.

Tudo arde, incandescência imortal de sentimentos fosforosos.

Vou introduzir o fim do tempo, dizimá-lo devagar. Sem misericórdia.
Tudo para que te tome e te segure, num instante final.

Fogo e enxofre, coração colérico de sentimentos.

Labaredas que derretem.
Lava doce nos teus lábios.
Sede e desertos salgados

Pontes sem margens e docas sem barcos para aportar.
Nesse cenário serás, só minha serei só teu.

Arrasto para o presente o fim do tempo. Retorço e corto, encolho-o até ao infinito. Deixará de ser.

E então bebendo-te e sendo um contigo, lava e lábios, sede e fogo, suor e labaredas, serei eu e tu, seremos, sem tempo.

"Estátua"

Um pouco de mim.

Moldura dourada, rasgos de marfim e pedaços de ébano.

Retrato e estátua.

Poiso de pássaros e descanso de olhares.

A vida deambulando em meu redor.

Pessoas, bichos, carros.

Detritos e ventos furiosos.

Debate-se a vida. Debatem-se os restos de vida.

Criaturas raras. Tudo criaturas raras.

Só eu sei. Só eu sou o centro das atenções. Imóvel e ligeiramente conspurcado. Poiso e descanso. Peça de uma qualquer arte. Só eu posso tudo. Só eu observo tudo. Só eu não me movo. Não importa. Sou o centro. Conheço e tenho toda a virtude.

2005-08-24

"Sol"

O Sol brilha demasiado para que o miremos.

Talvez seja por isso a paixão pelo Sol tão forte.

Na verdade nunca o miramos, na verdade nunca lhe descobrimos as falhas debaixo do brilho incandescente, criador e devorador da vida.

Mulher és tu também sempre assim?

2005-08-23

"É Verão"

É Verão.
É Verão.

Chegará o Outono não tarda muito.

E na morte anunciada da estação Rainha vejo a morte anunciada do ano.

Ultrapassagens rápidas. Rasgam-se faixas, quebra-se trânsito.

Dilaceram-se folhas dos calendários

Frenesim de tempo sem parar.

Doentes alucinados vestidos de lençóis brancos. Espectadores passivos. Tudo isso, somos. Loucos. Já embrulhados nas mortalhas alabastro que levaremos no final dos tempos.

Agora é Verão. Ainda é Verão.
Não desejo saber mais nada.
Basta-me o saber ser Verão, mesmo que pela nesga desta janela gradeada apenas veja o terraço e algumas andorinhas iniciando a debandada.

É Verão. A camisa ainda me faz calor. Suor escorrendo peganhento. Camisa não me deixando mexer nem enxugar.
É Verão.

Sou observador, passivo. Mas amo a estação. Sentimento platónico que busca ser correspondido pelo menos do mesmo modo.

É Verão.
Raios é Verão!

Será que mais alguém o sabe? Grades, malditas grades. Maldita nesga de janela. Sentido e Razão em debandada, como as andorinhas, como os sentimentos.

É Verão.
É Verão queimo por dentro da mortalha alva.

"Gostava"

Gostava de não conhecer esse sorriso.
De não estar seduzido por ele desde o primeiro instante, qual idiota adolescente.

Gostava, mas na verdade não o desejo.
Gostava, mas não o apago do consciente.

Gostava?
Mentira!

Como é delicioso esse sorriso no qual me derreto tantos dias, tantas vezes, mas nunca me derreto como desejo, suor, saliva, luxúria.

Ah! Sensualidade
Ah! Verão eterno.

Ah! Voluptuosos lábios de mil carinhos gentis.
Ah! Voluptuosos dentes saboreando pele, carne, ossos.

"Magia"

Magia é conhecer a mágica que transpira desse lábios.
Magia é feitiço de brilho e dos mil reflexos dessa íris.
Magia é areia é Oceano é nuvens recortadas em firmamento doce de celeste.

Magia é tudo o mais que sabes impossível.

Sombra de pinheiros perfeitos. Bênção de relva. Piqueniques e suspiros espreguiçando-se madrugada após madrugada.

Magia é nevoeiro como manto e barco Rabelo como refugio.

Magia.
Posso gastar tinta e caracteres até à exaustão.

Magia.
Explode e ultrapassa limites, mas cabe num reencontro.
Neste reencontro.

Palavras, caracteres, tinta, mera tinta virtual.

"Era uma vez"

Era uma vez, perde-se sempre no tempo.
Era uma vez, perco-me sempre no tempo.
Era uma vez, gota, gota, gota, cascata de tempo.
Perco-me, dissolvo-me.
Submerso no manto da noite dessa chuva e tempo.

"Meio"

O copo está sempre meio cheio.

Meio cheio de água.

Meio cheio de ar.

O copo está afinal sempre cheio.

"Canta"

Canta-me uma música sem sons, um sorriso sem lábios, um dia sem luz.
Canta-me um arrepio sem frio nem paixão.
Conta-me gota de sangue sem piedade ou perdão.
Conta-me os minutos, as horas, os dias porque eu não sei nem tenho como saber.

2005-08-22

"Trago"

Um trago de caneco de barro.
Gole sorvido num segundo.
Como vida.
Íris no liquido reflectida.
Os cabelos, agora brancos.
E as histórias das rugas, agora fundas.

Um trago sorvido de caneco sem fundo.
Toda a vida.
Mel e fel, olhar dividido nessas duas cores.
Cabelos sempre cansados.
No rosto leitos de rios sem água.
Uma mensagem.

Era Domingo, nada poderia correr mal.
Nem a brisa do mar ou a vida do Oceano revolto.
Cabelos no ar.
Asas de alma esbaforida.
Estórias, vida, vidas.
E tantas mentiras. Nada poderia correr mal.

Era Domingo, olhar seco no firmamento.
Lábios quase cerrados.
Apenas um esboço de sorriso enquanto sorvia do caneco sem fundo, um trago do imundo mundo.
E a íris hipnotizada numa dança sem sentido, onda vem onda vai.
Batem asas as alminhas e voam. Mortes sem fim.
Nada poderia correr mal. Era Domingo.

Um trago de caneco de barro.
Como adivinhar que seria amargo?

"Sticks and stones"

Like a little boy once said: “Sticks and stones may break my bones, but words will never hurt me”

Today I’m felling like five years old.

Thank you, thank you.

You sweet thing

:-[',

2005-08-21

"Para ti"

Um dia no tempo disseste que eu Amava Amar.
.
.
.
O que eu Amava a ideia de te Amar! ...
.
.
.

Os anos passaram, depois vieram os séculos e agora findo o primeiro milénio forço-me a dar-te razão.

Eras Helena, Isolda, Dulcineia.

Eras esse monumento sagrado que o Sol beijava até nos dias de tormenta e tempestade.

Um dia no tempo também eu te beijei, fui teu Sol. Tu meu monumento sagrado.

Amei muitos séculos a ideia de te Amar.

Agora no meu sono de mil anos não farei sombra ao Sol. Que sei te beijará livremente todos os dias, anos, séculos, milénios.

2005-08-17

"Sagrado"

Sagrado é o dia.
Sagrada é a noite.

Estrelas.
Sardas.
Cabelos.

Sagrado é o reflexo do mundo na tua íris.
Sagrados e profanos esses lábios, esses beijos.

Sagrado é o dia.
Sagrado teu umbigo, promessa de vida.
Sagrada é a noite.

Sagrada palavra a proferida, a ouvida, a ecoando nesse instante, segundo.

"Crónica"

Sempre julguei ter algo em mim a salvo.
A salvo da ruína e do infortúnio.

Sei hoje não ser assim.

E…

E sei hoje que ruína e infortúnio não perduram, quase nem existem.

Sempre me julguei a salvo.
De algum modo, em algum lugar.

Salvação?

Tal não é necessário.

As asas apenas se esturricam, nunca se queimam de vez.
Nunca.
E como os rios as asas são eternas.
Profundo alabastro celeste.

E…

Havendo mil crónicas de ruína.
Haverá sempre mais uma crónica.
Crónica de mil fogos ardendo sem queimar.
Crónica verdadeira, essa, sendo quase a única.
Crónica verdadeira e derradeira.

"Segredos"

Segredo-te sorrisos sem saber ao certo se os saberás escutar.
Sussurro pequenas palavras de deleite, apelido-as de versos, profundo sentimento já não secreto.

Se te quedas ou se partes, desconheço.
Se me ouves, ou se escutar já não sabes, idem aspas.

Segredo-te sorrisos sem saber.
E sem saber, assim ao certo rumos e distâncias.

As saliências do tempo só sabem ser rabiscos na alma.

Segredos e sussurros.

Murmúrios foragidos do espaço.

Sem tempo.
Sem som.
Sem sensação.

Só sentimento.

2005-08-16

"Rio"

A água do rio evapora. A água do rio afoga-se do mar. A água do rio corre e foge.
Mas o rio, ah!

O rio é sempre eterno.


Flying Wales are airborne again

“Sem mentira”

Se nu estou é porque de roupas prescindo.
Se nu viajo é porque de roupas não necessito.
Se nu sonho é porque roupagens e máscaras nunca vesti.
Se nu nasci, nu morrerei.

2005-08-09

"Loucura II"

Loucura.
Ou não.
Loucura ou sanidade.
Quem sou para ajuizar?
Loucura ou não.
Sorriso nos lábios.
É loucura sim, sem dúvida.
Mas que sorriso!
Mas que lábios!

2005-08-02

"Negando"

Não saber sabendo, não desejar desejando.
Não tendo fome apesar de esfomeado.

Não ter tendo. Minto não ter, querendo ter. E não ter.
E na verdade, não sabendo e na verdade não desejando e na verdade não ter fome.

Criança de cinco anos.

Sempre no precipício de tanto e de tão pouco.
Dunas.
Ondas.

Espuma resvalando em meus caracóis.Meus dedos passeando em teu cabelo.

"Templo"

Ar negro com rebites de estrelas.
Remédio de dias pasmados.
Dunas frias de paladares alface.
Arrepios...
Teu olhar em fogo!
Que sabes que ainda não sei?

Que sonhas que ainda não sonhei?

Músicas e paladares de palavras perdidas no tempo. É Roma, é outro Universo, é outro momento.
O Templo, todas as suas luzes, lágrimas que chegam sem aviso e não falam de tristeza.

Noite estrelada, mil rebites segurando veludo quente.
As ruínas e o Templo, talvez tragam sons da saudade.

Momentos, palavras, rabiscos de cadernos, capas negras cobrindo a visão. Fome, fome de planetas, fome de estrelas, fome de sentimentos.

Escorrem lágrimas não falam de tristeza, falam de outros momentos, tantos, tantos, ainda não vividos.

Ar negro. Segurado nos rebites, tem fortuna mais graciosa que essas lágrimas agora sujas no pavimento do Templo.

"Ausência"

Desde quando?
Diz-me desde quando?
Só necessito da negra e do copo.
Tudo o mais é acessório, quase imaginação.
Desde quando necessito de ti? Estrela opaca sem brilho?

Digo, repito, necessito apenas da preta, líquido que sôfrego sorvo mesmo sem copo.